Caos no voto postal abre possibilidade de eleições suplementares no Reino Unido

por Graça Andrade Ramos - RTP
Caos no voto postal abre possibilidade de eleições suplementares no Reino Unido Paul Ellis - Reuters

O voto postal revelou-se problemático nestas eleições legislativas antecipadas no Reino Unido, abrindo a hipótese de contestação de resultados e pedidos de novas eleições em dezenas de círculos.

Registaram-se atrasos na impressão e na entrega de boletins de voto postal em pelo menos 120 círculos eleitorais, e milhares de eleitores poderão não os ter recebido a tempo de poder votar.

Os problemas surgiram sobretudo em Londres, Escócia, Essex e Lancashire. O Royal Mail e a Comissão Eleitoral negaram que o problema fosse generalizado ou sistemático.Várias análises apontam que um quarto dos círculos marginais poderão ter sido afetados pelo problema, pelo que os segundos candidatos mais votados poderão contestar os resultados em tribunal, ação que abre a possibilidade de serem necessárias várias eleições suplementares.

Responsáveis dos correios britânicos, das autarquias e partidários têm trocado acusações tantando descartar responsabilidade pelo caos. 

Há 48 horas a Comissão Eleitoral britânica admitiu que os casos vão ser investigados.

Alguns eleitores afirmaram que os atrasos na entrega dos boletins se ficaram a dever a instruções dadas aos funcionários para darem prioridade ao despacho de pacotes e de encomendas, que podem levar ao pagamento de multas se não forem entregues dentro dos prazos. Uma acusação negada pelo Royal Mail.

Muitos britânicos pediram para votar por correio para poderem ir de férias já marcadas mas, na altura da partida ainda não tinham recebido os boletins.

Foi o caso de Sandra Javens, de 75 anos, e do marido. "Sinto que não me deram qualquer hipótese", queixou-se ao jornal The Telegraph.

Em 2019, 21 por cento dos eleitores votaram por via postal mas este ano o número subiu devido precisamente ao período de férias.

Mas outros ficaram sem poder exercer o seu direito devido a compromissos laborais. Dan Conway, de Blackburn, Lacanshire, disse que não pôde votar por não ter recebido a tempo o seu boletim postal.

A autarquia aconselhou-o a deslocar-se esta quinta-feira a uma assembleia de voto, mas Conway, trabalhador da área social, afirmou ao jornal Mirror que isso "não é uma opção". "Trabalho em turnos de 12 horas e não posso deixar o trabalho para ir votar", explicou, apontado o "planeamento ineficaz da autarquia" pela perda de voto.
O caso de North West Essex
Os responsáveis pelo voto postal britânico admitiram grandes dificuldades de resposta perante uma eleição marcada num período curto e o aumento em flecha de pedidos em apenas 15 anos, de 1.7 milhões em 2010 para oito milhões em 2019 e 10 milhões este ano.

Laura Lock, vice-presidente executiva da Associação de Administradores Eleitorais, apelou à reformulação do sistema, incluindo a fixação do limite máximo de pedido de boletins em 16 dias antes da data eleitoral, em vez dos atuais 11.

Apelou igualmente à emissão de boletins de emergência no próprio dia da votação para os eleitores que não tivessem recebido os seus boletins a tempo por via postal.

"As equipas de voto estão a fazer o que podem para administrar esta eleição antecipada, mas com um período curto e uma eleição em altura de férias, e com os fornecedores de impressão e distribuição a funcionar em pleno, a procura foi um verdadeiro teste do sistema", justificou Laura Lock.

A exemplo da dificuldades, a ministra do Comércio, a conservadora Kemi Badenoch, que procura a reeleição, acusou a sua autarquia local, de North West Essex, de "ter potencialmente defraudado até 2.600 eleitores dos seus direitos", devido à escassez de boletins de votos postais, após atrasos na impressão e entrega.

A autarquia, composta maioritariamente por trabalhistas e por residentes independentes, eleitos há cinco anos, atribuiu a falha a um "erro humano" e anunciou que funcionários concelhios distribuíram os boletins pessoalmente, para garantir o voto atempado.

Badenoch apelou ao regresso dos conservadores ao poder local, em vez do voto em "incompetentes".

a votação presencial tem estado a decorrer de forma serena em todo o país, com o bom tempo a ajudar a sul e alguma chuva a não desanimar os eleitores a norte. Os líderes  partidários exerceram o seu direito de voto durante a manhã.

Apesar dos conservadores afirmarem que a afluência às urnas ao longo do dia tem sido  superior à de 2019, a Associação de Administradores Eleitorais referiu que, até ao fim da tarde, a afluência era semelhante à de há cinco anos.
Apelo desesperado dos Conservadores

Estas eleições espelham o cansaço dos britânicos com um partido que gere os seus destinos há 14 anos, durante os quais tiveram passaram pela pandemia da covid-19, pelo Brexit, por crises económicas e sociais e pelas consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia, além de suportarem vários escândalos e instabilidade política.

As principais preocupações dos eleitores centram-se na perda vertiginosa do poder de compra, na degradação do serviço de saúde pública e no controlo da imigração.

"Chegou o momento de o Reino Unido escolher o seu futuro, de decidir se quer aproveitar os progressos alcançados ou arriscar-se a voltar à estaca zero, sem um plano e sem certezas", anunciou o chefe do Governo britânico, o conservador Rishi Sunak, a 22 de maio.

Foi um anúncio surpresa que a oposição saudou com júbilo, dos Trabalhistas de Keir Starmer aos Liberais Democratas de Ed Davey e à extrema-direita de Nigel Farage. As sondagens durante a campanha eleitoral indicavam que todos iriam aumentar a sua representação parlamentar à custa da queda vertiginosa dos Conservadores.

Durante as últimas seis semanas de campanha, todos os partidos políticos tentaram convencer os eleitores das suas propostas, com o atual partido no poder a tentar perder pela mínima margem possível.

Esta quinta-feira, vários líderes Conservadores pediram aos eleitores que não dessem aos Trabalhistas um "poder incontestável", como lhe chamou Steve Baker, ministro de Estado no gabinete da Irlanda do Norte.

Rishi Sunak, após votar em Holborn ao lado da mulher, Akshata Murty, pelas 10h00 da manhã, publicou uma foto de ambos na rede social X, pedindo aos seus apoiantes que votassem para evitarem uma maioria estrondosa dos trabalhistas.

"As assembleias estão abertas. Votem conservador para deter a super-maioria Trabalhista, que significaria impostos mais altos por uma geração", escreveu.

O ex-primeiro-ministro conservador, Boris Johnson, publicou um vídeo a apelar ao voto contra o "pesadelo" da subida de impostos "e da wokery" de um futuro governo Trabalhista.

Já os eleitores liberais e da esquerda, lançaram na rede X uma campanha a apelar ao "voto tático" com a hashtag #votetactically, para vencer os Tories, como são conhecidos os conservadores.

O objetivo foi convidar ao voto no candidato mais bem posicionado para afastar o candidato tory de cada círculo eleitoral, independentemente da própria preferência política de cada eleitor. Responsáveis conservadores denunciaram a existência deste "pacto secreto" entre liberais e trabalhistas.
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